domingo, 13 de outubro de 2013

Estórias pra Mariana


Um coletor de raízes esquadrinhando as árvores disse ao pequeno demiurgo-menino Zorah:

— O sol após bebericar a luminosidade da noite anterior e compartilhar de luz a manhã nascente havia partido deixando apenas a escuridão brotada da madrugada embaraçosa que se recostava, satisfeita, nas sombras.

Dito as palavras fez-se um súbito silêncio... O garoto ficaria imóvel. Mas somente por um segundo.

Uma garoa havia se transformado em chuva intensa. Com passos lassos, o demiurgo-menino sentia o frio cortando sua face feito farpas.


Sedento, Zorah resolveu beber um gole do brilho da última estrela cadente. Das derradeiras palavras surdas a distância onde uma rajada de vento chocalhou o vislumbre do seu rosto... Uma brisa fria assoviava pelas fendas — de um pretérito imperfeito — enquanto os dias tétricos vindos das profundezas da terra borbulhavam dentro de si. A porta abrindo-se suavemente fez entrar a luz da manhã encharcada com a água de um orvalho venturo quase catapultado pelo frágil pólen.

O silêncio é quebrado por gritos e grunhidos. — Vá pra casa! Você é apenas um menino!  — Pronunciou o velho homem.

Zorah parou, analisando o som vibrante que enchia a noite vazia. Observou o gotejar do sangue brotando das flores do mal que em prantos tentavam se levantar do pântano lamacento. Um espectro surgiu da escuridão, atraído pelo perfume das rosas que jazia ali reduzidas ao silêncio e indefesa.

Pelo caminho viu figuras diáfanas congeladas no tempo, como a silhueta de um corvo recortada e pregada em folhas de um débil carvalho decaído. Com os olhos perplexos e o cansaço caído no caminho, Zorah, quebrou o gelo fino que encobria os galhos ressequidos que sem vida estavam prestes a chorar.

Pedaços de folhas mortas encobriram a senda. O velho ergueu a lamparina, sua luz trêmula ia iluminando a vereda íngreme que do chão enlameado via-se os vermes reluzentes felizes pela vida.

Quando a chuva finalmente cessou foi possível ver a luz prateada pela superfície, onde naquele miserável e úmido arremedo de mundo seres ignotos amargurados deixavam seus esconderijos.

Arcanjos tentando decifrar à claridade do alvorecer vasculham nas sombras os detalhes macabros encostados à parede. À noite rasgada ao meio para passar uma nuvem espessa que se precipitava acima da floresta sombria anunciava a última e fuga esperança.


Continua...

José Lima Dias Júnior — 11.10.2013

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