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Salvador Dali |
Como poeta da dor, do pranto e da morte, cuja minha natureza reacionária
me dera epítetos sombrios. Minh’alma que rompeu as trincheiras da noite,
bastarda madrugada, tiritava em açoites o talho de pele que me aquecia. Meu
novo espírito trafega por entre veredas de cactáceas onde flores solitárias me
arrebatam o caminho.
Impávidos espinhos que não temem o orvalho das manhãs, cujos processos
pontiagudos de defesa buscam anulá-las. Lâmina óssea situada em meu dorso
destrói o tecido subjacente da poesia dos tolos e enche de brilho a verve do
insano erudito.
As inquietações desfralda o pensamento dos homens como se fosse um
austero combate sobre as forças que os repudiam e abatem. Meu universo poético
que emana dos versos da alma, ambíguo como o porvir que junto ao teu revela um
mundo distinto.
Elemento místico que em sua plenitude reconhece na face do ventre o
diálogo socrático que se manifesta no submundo que há em nós. Transformação
poética nascida do útero que me pariu colhe da aurora o tegumento interno do
óvulo das plantas floríferas.
Girando em torno da morte arrasta-se a carne para, em decomposição,
alimentar outras vidas. Universo dicotômico que se ergue no cerne da angústia reproduz
uma realidade incompreensível. Neste sentido, iniciei uma busca ao
desconhecido, assim como, da imprevisibilidade dos dias. Deparei-me tingindo
com a aquarela da imaginação o voo translúcido das aves de rapina, cujos sons
que emitem são substratos líricos de que fala de si para si num monólogo
interior frequente.
Não podemos encontrar uma verdade materializada, mas a liberdade
excepcional das palavras. Aventuras motivadas pela ousadia, pela capacidade
extrema poética de ver o mundo revelando em cada ato humano a vida em sua
totalidade. Assim, em uma estrutura triplanar me desloco deste vergel para o
Olimpo alheio às epopeias e tragédias antigas.
Por um ângulo incomum, vejo os estados psicológico-morais do homem, o
grito lancinante das ruas, a loucura, o comportamento excêntrico, a purificação
do luxo, a perpetuação da miséria e a violação dos direitos. E quanto ao Poder,
vejo o povo convertido em servo. Assim, distantes e separados tais mundos
convergem para uma utopia social.
Em tom mordaz e intercalado pela multiplicidade e pluralidade das manhãs
que se agitam ao ver a cor avermelhada do crepúsculo sou posto a dialogar com
os deuses. Fui convidado por um demiurgo, (que segundo o filósofo grego Platão,
fora um artesão divino ou o princípio organizador do universo) a subir aos céus
e a descer aos infernos modelados e organizados pelos homens.
O existente desconhecido choca-se como mal universal que diante de uma
crítica severa e ácida pulveriza os desejos juvenis. Não convencendo a todos, o
discurso permanente fica prostrado diante da insensatez divina. Porém, vi em
fragmentos de luz à descoberta interiro do homem, da consciência de si,
livrando-se das águas turvas de pouca nitidez.
No tocante às expressões celestiais, figuras complexas desfilam ornamentadas
em um caráter ritualístico mostrando aos espectadores seus matizes inteiramente
alegres e festivos. Algo carnavalesco e efervescente ao olhar da plateia. Sistemas
hierárquicos e as formas conexas de atribuições distinguem as funções das
divindades. A relação entre ambos consistem na livre relação familiar, onde
todos foram gerados por Gaia, a deusa-mãe, que sozinha fez nascer Urano, Ponto
e Óreas, segundo Hesíodo. Foi em conversa com Caos (primeira divindade a surgir
no universo, no dizer de Hesíodo) que fiquei sabendo que com Urano, Gaia
procriou os Doze Titãs: Oceano, Céos, Crio, Hiperião, Jápeto, Teia, Reia,
Têmis, Mnemosine, Febe, Tétis, Cronos, o mais terrível de todos os filhos.
Os aspectos ocultos da natureza humana, que se renova com frequência,
foram a mim revelados pelos deuses. Contudo, não cabe, aqui, descrevê-los.
Portanto, no Olimpo a jovialidade, a força física, o poder sobre-humano é
eterno. Já entre nós nada é absoluto.
Aqui, na Terra, um rei-tirano é destronado, perde suas vestes reais, e
vaiado em praça pública. Adiante, parei, pensei das lembranças de quando eu era
criança e passava a imaginar que nada estava acabado, pleno, perdoado,
inocentado... Que sofremos restrição ou reserva, que nada é por inteiro e
infinito, que existe limitações, que para alguns não se permite contestação ou
contradição; algo imperioso. Com um olhar pueril compreendi que ainda predomina
o despotismo, a autoridade arbitrária tendendo à tirania e à opressão. Assim
como, não podemos esquecer que somos únicos, superiores a todos os demais. Mas,
sim, humano demasiado humano... Preciso me levantar, pois, o dia vem surgindo
na linha do horizonte.
José Lima Dias
Júnior, 16:46, 30/07/2013.